terça-feira, 25 de setembro de 2012

Duas Dimensões do Tempo: Chronos e Kairós



Era uma vez, na Grecia Antiga, uma religião de mistérios que se chamava Orfismo, cujo fundador teria sido o poeta Orfeu, e que trouxe para os gregos uma teoria diferente sobre a criação do Universo, pois o que era aceito na época se baseava na Mitologia.
Conta-nos os ensinamentos Órficos, que  Chronos ( ou Khronos )*, o senhor do Tempo, surgiu do nada, no princípio de tudo, por sí mesmo, sem forma e serpenteante  e encontrou Ananke, deusa da  Inevitabilidade ou da Necessidade, também ela surgida do nada e por si só, sem forma e serpenteante e uniram-se, entrelaçando-se numa espiral em volta do Ovo Primogênito, partindo-o e assim, dando origem ao Universo, à Terra, ao Céu e ao Mar. E permanecem desde então, eternamente entrelaçados, como forças do Tempo e do Destino que guiam  a ordem do Universo.

* Não confundir com o Titã Cronos, filho de Gaia e Urano,  da Mitologia Grega, que devorava todos os filhos que tinha com a deusa Reia ( mito narrado em Lendas dos Deuses do Olimpo ).

Essa teoria influenciou vários filósofos da época como Platão e Pitágoras , muitas vezes com ressalvas e adaptações. Mas o meu tema aqui vai se limitar a um elemento dessa teoria: ao Senhor do Tempo, Chronos, que guia a ordem do Universo e de todos os seres vivos.

Chronos é o tempo mensurável, linear, no qual  todas as criaturas  nascem, crescem, envelhecem e morrem. É a passagem do tempo percebida através das mudanças. É o tempo vivido nos dias da semana,  nos meses do ano  e finalmente, nos anos de nossas vidas e dele não se pode fugir. Chronos é a Ampulheta, cuja areia escorre sem parar e nesse passar incessante do tempo nos deparamos com nosso ser mortal, nossa finitude.

Tempo de Chronos

Mas como todo veneno tem um antídoto, nos é dada uma saída apontada por Kairós, o outro deus grego do Tempo. Sim, porque os gregos tinham dois deuses e duas palavras para o Tempo: Chronos para o tempo que pode ser medido e Kairós para o tempo indeterminado, oportuno. O significado de Kairós seria "o momento certo". 






Kairós era o filho caçula de Zeus, jovem atlético e de extrema beleza, e que se movia muito rápido, pois portava asas nos ombros e nos pés. Usava cabeça raspada, deixando apenas um belo tufo de cabelo na testa, e a razão para isso é que as pessoas só podiam agarrá-lo pela frente, pegando no tufo de cabelo. Ele era tão rápido que sequer Zeus conseguia pegá-lo depois que tivesse passado.

Por essa razão os pitagóricos, que explicavam todo o Universo por relações numéricas, identificavam Kairós como o número sete e o chamavam Oportunidade.  Por que? Porque Pitágoras dizia que o sete carrega a vibração que propicia toda criação; vibração essa que provocou a descontinuidade entre o Nada (contínuo) e o Universo Criado.
Analogamente, Kairós  provoca uma descontinuidade nesse tempo burocrático de Chronos, propiciando-nos ocasiões diversas, mas a realização de um tempo especial, significativo fica por nossa conta. Afinal, somos os protagonistas de nossa própria história - Kairós precisa ser pego de frente pelo tufo de cabelo, lembra? Depois, o momento propício passa.

O corpo, que é matéria, está submetido ao tempo de Chronos, que quantifica e mantém a areia de nossa existência escorrendo pela Ampulheta imaginária.
A alma, que é divina e eterna vive o tempo de Kairós, que não traz um início, meio e fim. Por essa mesma razão os teólogos associam Kairós ao tempo de Deus, ao divino.

Esse tempo em que aproveitamos para brincar com nossos filhos ou lhes contamos uma estória, o tempo que usamos para a prática de um hobbie ou esporte preferidos,  o tempo que passamos admirando o por do sol, passeando de maos dadas com a pessoa amada, comendo uma pizza com os amigos. Todas essas coisas que  pensamos ser banais e fazerem parte da vida, todas elas de certa forma nos libertam daquela contagem de horas, dias e meses e nos levam a medir o tempo pelos momentos vividos. Quando acrescentamos qualidade na nossa vida, transcendemos o tempo cronológico ( perdemos até a noção de tempo muitas vezes ) , e por esse tempo qualitativo  descontinuamos o que é continuo.
Kairós está sim associado a grandes oportunidades ou momentos marcantes, ou ainda tomadas de decisões importantes, mas não limita-se a isso.

Kairós é o nosso próprio tempo vivido em paralelo às horas, aos dias e aos meses do ano.



Tempo de Kairós


Finalizo com essa música do Legião Urbana, que na minha opinião ilustra muito bem como vivemos nessas duas dimensões de tempo.







Tempo Perdido
Legião Urbana



Todos os dias quando acordo,

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo.



Todos os dias antes de dormir,

Lembro e esqueço como foi o dia

"Sempre em frente,

Não temos tempo a perder".



Nosso suor sagrado

É bem mais belo que esse sangue amargo

E tão sério

E selvagem,

selvagem;

selvagem.



Veja o sol dessa manhã tão cinza

A tempestade que chega é da cor dos teus

Olhos castanhos

Então me abraça forte

Me diz mais uma vez

Que já estamos distantes de tudo

Temos nosso próprio tempo,

Temos nosso próprio tempo,

Temos nosso próprio tempo.



Não tenho medo do escuro,

Mas deixe as luzes acesas agora,

O que foi escondido é o que se escondeu,

E o que foi prometido,

Ninguém prometeu.



Nem foi tempo perdido;

Somos tão jovens,

tão jovens,

tão jovens.



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