domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cirandas e Danças Circulares



Eu já havia comentado numa das postagens que quando viajamos, nos abrimos para experiências novas e nossos sentidos ficam mais aguçados para captar ao máximo aquilo que vemos, ouvimos, cheiramos, saboreamos e tocamos.

E foi numa viagem encantada a beira de um mar azul e ladeada por coqueiros, dessas que se faz a dois, lá em Pernambuco, que acabei entrando numa ciranda, de dar as mãos e girar ao som de uma canção. Sim, meio que brincar de roda. Mas eu não precisaria viajar para me permitir fazer algo tão comum, voces vão me dizer. E eu respondo que não foi uma experiência comum. Participar de uma Ciranda de Lia, ao som de tambores e chocalho, foi quase uma entrada para um estado de transe, que na maior parte das vezes se consegue com a meditação.


A Ciranda é uma dança típica de Pernambuco, de ritmo marcado, dançada nas ruas ou beira da praia. E Lia de Itamaracá é o nome artístico de Maria Madalena Correa do Nascimento ( no Nordeste, Lia é uma abreviação de Maria ), compositora e cantora de cirandas, pernambucana, nascida e criada na Ilha de Itamaracá, onde vive até hoje. Lia ficou conhecida nos anos 60, quando a cantora e compositora Teca Calazans, ao interpretar os versos da cirandeira, acrescentou a quadra: "Estava na beira da praia/ Ouvindo as pancadas das ondas do mar/Esta ciranda quem me deu foi Lia/ que mora na Ilha de Itamaracá".


A Ciranda, segundo Lia, segue os movimentos das ondas do mar. De mãos dadas, uma grande roda é formada por adultos e crianças, que repetindo passos para frente e para trás, giram a roda, simulando o movimento das ondas, ao ritmo de canções puxadas pelo Mestre Cirandeiro, marcadas por instrumentos de percussão, como o bumbo, o atabaque, ou o tarol (caixa).





Sendo um tipo de dança circular, a Ciranda promove integração e harmonia, pois ao estar de mãos dadas numa roda, cada pessoa vivencia a sensação de pertencimento a um todo maior, e cada um torna-se responsavel por si mesmo e pela roda. O individual e o coletivo coexistem.
Dançar em círculo é uma prática que vem dos primordios da humanidade, e é comum a muitas culturas. Na antiguidade, as danças em roda faziam parte de cerimonias ritualísticas e estavam sempre presentes em celebrações como o nascimento, o casamento, a morte, o plantio e a colheita, a chegada das estações do ano, reforçando a união da comunidade. A dança em círculo é encontrada até hoje ao redor do mundo, e ainda praticada em ocasiões festivas, boa parte delas conhecidas e divulgadas nos meios de comunicação, tais como as danças celtas, gregas, israelitas, húngaras, as sardanas da Catalunha e as indígenas, só para citar algumas.



Em cada uma delas, a cultura e as tradições de um povo são vivenciadas no círculo, e ao entrar-se na roda, nos abrimos para algo muito maior do que o presenciado naquele momento.
O círculo, que não tem princípo e nem fim, representa a totalidade.
As culturas antigas tinham o círculo como o símbolo dos mistérios da vida e faziam a relação deste com toda a Natureza. Viam o círculo nas figuras da Terra, da Lua, do Sol e dos planetas, assim como no movimento do dia e da noite, no ritmo das estações do ano , no ciclo do plantio e da colheita. O nascimento, vida e morte também eram parte da analogia.
É inegável o valor mágico das danças circulares, porque estas possuem pelo menos dois elementos básicos que nos levam à transcendência ( ou se preferirem, estados alterados da consciência ): o balanço e movimentos repetidos do corpo executando um rítmo, combinado às marcações desse rítmo pelo tambor, ou outro intrumento de percussão.
Segundo Jonathan Goldman ( músico e professor americano), no seu livro Healing Sounds ( Sons que Curam) os sons podem ser usados para alterar nossas ondas cerebrais e a alteração da faixa de onda cria mudanças na consciência.


Nesse ponto, me vem à mente aqueles momentos em que nos deitamos na praia e fechamos os olhos, ouvindo o barulho das ondas e entramos numa espécie de transe ( quem já não teve essa experiência? ). Se os sons alteram nossa consciência, penso que o próprio mar já é uma porta para a transcendência.

E voltando à Ciranda de Lia, para mim, fazer parte daquela roda perto do mar e com os sentidos tão aguçados, foi uma espécie de meditação e uma experiência tão marcante, que aqui estou escrevendo sobre cirandas e ainda sentindo o movimento das ondas do mar...









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