quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pão de Cerveja e o Mito de Deméter


Entrando no rítmo da vida em Michigan, volto à rotina de meu cotidiano daqui. Essa oportunidade que estou tendo de viver entre dois endereços diferentes, entre duas culturas distintas e entre dois hemisférios tem me despertado a atenção para muitos detalhes que antes eu não via, e tem me dado muitos insights. Esse vai e volta tem data marcada para se acabar, mas por enquanto, aproveito cada dia desse privilégio.
Deixei a minha cidade no Brasil com alguns dias ainda quentes, e outros de temperatura mais amena, naquele "jogo" de quente-frio que o tempo faz durante as mudanças de estação. No hemisfério sul agora é Outono, estação das colheitas, época de dias mais curtos, secos e com o frio acenando.
Aqui no hemisfério norte é Primavera. Aqui se celebra o ressurgimento das folhas e flores, e a volta de dias mais quentes e longos. O céu ainda está claro às 8 horas da noite. Depois do inverno longo e gélido, definitivamente, Perséfone, a do mito grego, está aqui. Na postagem Sabor de Outono esse mito é mencionado. Seu equivalente romano é o mito de Ceres ( deusa das plantas e dos grãos) e sua filha Prosérpina.








A Mitologia Grega conta que do romance entre Deméter ( deusa da agricultura ) e Zeus ( deus do Olimpo ) nasceu Core, que se tornou uma linda jovem. Hades ( deus do mundo subterrâneo ), ao ve-la, apaixonou-se e decidiu raptá-la. Deméter ficou inconsolável e se descuidou de seus deveres , deixando as terras estéreis e com isso houve escassez de alimentos.
Zeus ordenou a Hades que devolvesse sua filha, mas Core já estava casada com ele, pois tendo já comido algumas sementes de romã ( fruta da fertilidade, paixão e abundância) , oferecidas pelo marido, ligou-se ao mundo subterrâneo eternamente, tornando-se Perséfone ( rainha dos mortos) . Assim, estabeleceu-se um acordo: a cada primavera, Perséfone deixava Hades e se reunia com a mãe, no Olimpo, para que nessa época a terra cultivada desse seus frutos. A deusa, no outono, voltava para Hades e permanecia com ele até a primavera seguinte.

Esse mito era cultuado nos mistérios de Elêusis, celebrados na Grecia antiga, e eram divididos em duas etapas: os Grandes e os Pequenos Mistérios. O primeiro era representado em março, no Equinócio de Primavera, o segundo em setembro, no Equinócio de Outono, que em conjunto, representavam os ciclos da terra.
As cerimônias no Equinócio de Outono marcariam a volta de Perséfone ao reino subterrâneo de Hades, trazendo grande tristeza à sua mãe Deméter. Essa alegoria seria o símbolo do Outono, época em que os grãos são enterrados para a semeadura e a Natureza entra aos poucos em hibernação e, ocorrendo em seguida, uma morte simbólica com a ausência de verde, de flores e de frutos.
As cerimônias do Equinócio da Primavera marcariam o retorno de Perséfone para a companhia da radiante Deméter, alegoria da Primavera, época em que as sementes brotam e a vegetação renasce, e a deusa Deméter volta a cuidar da terra. Seria a renovação da vida, representada na germinação da semente deixada pela planta que antes vivia.

Os mistérios de Elêusis celebravam "o morrer para renascer",  e mais do que simbolizar o eterno ciclo da Natureza, representavam a alma em sua descida à matéria, seus sofrimentos ( trevas, mundo subterrâneo) e depois sua  volta à vida divina.

Jung, por outro lado, interpretava a separação de Perséfone da mãe Deméter como a superação dos aspéctos infantis internos ( o deixar-se conduzir por alguém ou algo que nos dê proteção e segurança ) e a entrada à vida adulta ( atuar no mundo, enfrentar obstáculos e incertezas ), e portanto, como símbolo do nosso processo de individuação. Pois na formação  de nosso Self, é preciso descer ao inconsciente, onde estão nossos medos, instintos, sentimentos negativos ( nossas profundezas) que nos tornam passivos, sendo essa descida normalmente sofrida. E,  ao subirmos de volta à nossa conciência,  esses aspéctos são trazidos à luz, para que aprendamos a lidar com os mesmos, integrando-os à nossa personalidade, amadurecendo-a e , com isso, nos transformamos em seres atuantes de nossa vida. Um verdadeiro processo iniciático.

Aos que vivem no hemisfério sul, nessa época de Outono, com as noites mais longas e os dias mais frios, é chegado o momento de um certo recolhimento, de fazer uma pausa junto à Deméter entristecida. Aos que vivem no hemisfério norte, passando agora pela Primavera, sob uma luminosidade que se intensifica até o Solstício de Verão, e se assiste ao florescer das árvores e plantas, é o momento da expansão, de dar boas vindas à Perséfone. São movimentos opostos,  rítmos que se alternam no decorrer do ano, e que sem dúvida,  refletem no nosso corpo e na nossa alma. 

Ambas estações são associadas com o eterno ciclo da vida, em que a morte faz parte e o renascimento também. São épocas que evocam tradições e festas, pois a vida deve sempre ser comemorada.
E para marcar presença na comemoração, deixo uma receita super fácil de pão de cerveja, muito apreciado pelos americanos. É um pão para ser saboreado em festas e churrascos, com muitos amigos.

Curiosidade: a palavra cereal é derivada de Ceres, a deusa romana correspondente a Deméter. Sendo a cerveja basicamente feita de cevada, e o pão, da farinha de trigo, considero essa receita muito simbólica para o tema desta postagem.


Pão de Cerveja e Queijo  

Ingredientes

2 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo
2 colheres (chá) de fermento em pó
1/2 colher (chá) de bicarbonato de sódio
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de alecrim desidratado- ou orégano
1 xícara (chá) de queijo provolone* passado no ralo grosso ou no multiprocessador
1/4 xícara (chá) de azeite de oliva
1 1/2 xícara (chá) de cerveja "quente"- na temperatura ambiente

*o provolone pode perfeitamente ser substituido por queijo emental, edam ou estepe













Pré aqueça o forno em temperatura de 375 F ou 200 C ( media alta) e unte uma forma de bolo inglês (14cm X 23 cm) com manteiga ou margarina.
Numa vasilha, usando uma colher, misture a farinha de trigo com o fermento em pó, o bicarbonato de sodio e o sal. Adicione o queijo e o alecrim ( ou orégano)  ao mix de ingredientes secos e misture. Junte, então o azeite de oliva, mexa e finalmente adicione a cerveja e mexa bem, sempre com a colher, formando uma massa mole. Coloque a massa na forma já untada e leve para assar por 50 minutos. Após esse tempo  a massa deve estar dourada e, espetando-a com um palito, esse deve sair limpo.
Retire do forno e deixe esfriar na forma por pelo menos 30 minutos. Desenforme e bom apetite!



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